Ponto de vista

Do topo da cidade tudo era belo, e ele observava atentamente o movimento das ruas.

De cima tudo é pequeno, pensava. Desde cedo aprendera que a vista de cima para baixo era a única forma de enxergar a vida. A descoberta da nova perspectiva arrancava-lhe o fogo.

De cima tudo é pequeno.

Seu pai o abandonara aos nove anos de idade. Aos quatro sua mãe partiu. Poucas lembranças restaram. O perfume adocicado, a pinta no canto esquerdo da boca, a forma com que penteava o cabelo de lado. Era bela. Disso ele lembrava bem.

Esforçava-se para recordar os traços do rosto, e ficava frustrado quando no final, concluía que até mesmo o perfume, a pinta, o cabelo, eram frutos de sua imaginação. Era pequeno demais, e agora grande demais para se lembrar.

O casamento estava falido. A esposa, antes formosa, agora se tornara feia de desgosto. Não que havia tornado-se realmente feia, mas o cansaço e a decepção haviam deformado seu rosto. Definitivamente não era mais a mesma.

Vivia jogando-lhe na cara sua incapacidade de perdoar. Como ele poderia ter deixado a amargura tomar conta de seu coração de tal forma que já era incapaz de sorrir?

A vida não é fácil, pensava. Até as rosas possuem espinhos.

Mas dali, lá de cima, tudo era tão pequeno.

Levantou-se e andava pelos trilhos. Com as mãos erguidas equilibrava-se. Estava livre. Um passo após o outro, com cuidado para não cair, pois já havia decidido que, apesar de trágica, sua vida não merecia terminar de forma tão absurda. Ora essa. Atropelado por um trem. Se o fim houvesse de ser assim escolheria outra forma. Morreria voando como os pássaros que enxergam de cima para baixo.

A vista de cima era tentadora.

A moça que descia do ônibus, o garoto levado para passear pelo cachorro. A prostituta da esquina que negociava clientes. Tudo era tão pequeno.

Cada um tem uma historia, pensava. Até mais tristes que a dele.

Chorar era luxo para os fracos. Aprendera cedo quando seu pai queimou sua mão com uma bituca de cigarro como castigo por ter roubado um pão. Era mais fácil guardar lá no fundo. Num cantinho onde ninguém poderia penetrar. Nem mesmo o próprio Deus seria capaz de cutucar a ferida. Já era crescido, e essa historia já não engolia mais.

Um homem sabe cuidar de si.

A vista tornou-se cada vez mais tentadora, e nunca teve tanta convicção que havia nascido para voar. Assim decidiu. Assim foi seu fim.

As sirenes tocam.

O corpo no chão.

e tudo já não é mais pequeno...

10 comentários:

Catarina disse...

então, meio q retornando à blogosfera, passando por aqui, mas q trágico, acho q tô só pra finais felizes esses dias!
mas tudo bem, seu espaço é lindinho e criativo!
passa lá no meu Romanos tá?
bjks

Luma Rosa disse...

Kessia, acabei de ouvir seu podcast junto com o Rap.

Legal ler seus escritos, sabendo como é sua voz!

Mas que trágico fim!

Beijus

fjunior disse...

trágico... a gente desperdiça a vida por tão pouco as vezes... é engraçado até pensar... enquanto que muitos fariam de tudo para viver um pouco mais outros a interrompem um vida que talvez se exstender-se por muitos e muitos anos... o atirar-se para tirar de si a vida é cruel e injusto...

Kessia disse...

catarina: q bom q está de volta! =) vou passar lá.
hehehe infelizmente nem sempre os finais são felizes na vida real né...

luma: curtiu o podcast??
ahh hehehe minha voz n é daquele jeitinho n! rs

fábio: é verdade.. é mto egoismo mesmo..

mas está historia terá continuação.. eu acho..

foi minha primeira historinha na verdade hehe

bruno e.a. disse...

nice!
a propósito, parabéns pelo blog recente e benvinda à blogosfera!

Anônimo disse...

ai que triste!!! então, sou de santo andré sim =) e minha igreja é a Assembleia de Deus (Madureira)

beijosss

bruno e.a. disse...

obrigado pela visita!

passa sempre que quiseres...

Anônimo disse...

rs... eu gostei do fim trágico (é, eu sou a esquisita). mas penso que fins assim, trágicos e tristes, servem pra gente refletir melhor. até que ponto levamos nossas mágoas, hein?

gostei muito do conto! =)

Mia zelada disse...

Kessia cabecaa!

legal seu blog...

ve o meeu =)

Bjokas sis

Mia zelada disse...

quem é quem?